domingo, 29 de janeiro de 2012

Abandono...

Sentado no banco do carro tentei perceber para onde nos dirigíamos. Era um dia de sol e lembrei-me que este era o caminho que fazíamos para ir à praia.
Disseram-me que era surpresa o meu destino e fui mantido na curiosidade e na expectativa durante o tempo todo da viagem.
Parámos à beira da estrada e fiquei extasiado com a possibilidade de sair para esticar as pernas. Abriram a porta do carro para eu sair e saltei contente do banco. Aproveitei para fazer xixi ali mesmo. Assim não faria de certeza no banco do carro e todos iam ficar contentes.
Começaram a brincar comigo. Mandaram-me uma bola para eu ir apanhar e eu fui. Correndo e saltando feliz atrás da bola nem me apercebi do que estava a acontecer.
Quando ouvi o barulho do motor do carro parei de perseguir a bola e olhei para trás. Vi que o carro estava a ir-se embora, primeiro devagar e depois desaparecia cada vez mais depressa.
Corri atrás do carro, tentando apanhá-lo. Porque se teriam esquecido de mim ali no meio do nada? Corri mais e mais e ainda mais depressa, mas o carro era dez vezes mais veloz. Depressa fiquei cansado e deitei-me ali mesmo na berma da estrada tentando recuperar o fôlego.
Agora já não conseguia ver o carro, mas havia muitos carros a passar por ali.
Fiquei ali triste e sozinho, chorando as mágoas durante algum tempo. Quando não sabia o que mais podia fazer, fui buscar a bola e trouxe-a de novo para a berma da estrada.
A noite chegou e com ela veio o frio e a fome. Nunca tinha passado uma noite ao relento nem me tinha faltado uma refeição. Já me tinham batido e acorrentado, mas nunca me tinham deixado abandonado. Era uma situação nova e eu não sabia o que fazer.
Tentei aconchegar-me perto de uma árvore para não sentir tanto frio e dormir um pouco, mas não consegui. Resolvi andar um pouco, mas os carros que por ali passavam iam-me atropelando por várias vezes. Cheguei perto de um sitio com muitas casas de onde vinha um forte cheiro a comida.
Avistei uma casa pequena rodeada de um jardim florido onde brincava uma criança. Ela olhou para mim e sorriu com uns olhos cor de amêndoa cheios de alegria.
- Mãe! - chamou a menina. - É um cãozinho! E parece estar cheio de fome, coitadinho. Podemos dar-lhe de comer?
- Claro! - respondeu a mãe. - Vamos arranjar qualquer coisa.
E foi assim que deixei de ter fome fome, sede ou frio. Porque uma menina de olhos grandes me viu e se apaixonou por mim à primeira vista, tal como eu me apaixonei pelo seu sorriso. Com o tempo fui entrando pelo quintal dentro, até ter conquistado o direito a um pedaço da casa e à totalidade dos seus corações. Não voltei a ser deixado na berma da estrada, não se voltaram a esquecer de mim e eu amo-os todos os dias da minha vida.

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