quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quatro dentaduras e um copo de vinho - parte 1: "Até à bengala!"

Estava uma tarde de Domingo fantástica, bem característica do final de Verão.
O sol brilhava, fazendo com que a água do mar tomasse tons de prata e fogo, em suaves ondulações ritmadas. Soprava uma brisa suave que atenuava o calor abafado que ainda se fazia sentir.
O empregado de mesa dirigiu-se às quatro senhoras que tinham acabado de se sentar lá fora na esplanada.
- O que vão desejar? - perguntou.
- Queremos uma garrafa de vinho verde bem fresca por favor. - pediu uma delas.
- Muito bem. As senhoras vão desejar mais alguma coisa? 
- Não. Traga-nos apenas a garrafa de vinho verde mas precisamos de um copo a mais.
- Aguardam mais uma pessoa? Querem que coloque mais uma cadeira na mesa? - perguntou solicitamente o empregado.
- Não obrigada, já não esperamos mais ninguém para se sentar connosco. - o olhar da velha senhora foi trespassado por um rasgo de tristeza, que logo se transformou num doce sorriso. - Mas continuamos a querer mais um copo por favor. Mas esse copo tem que ser grande,
- Certamente. Volto já com o vosso pedido.
O empregado dirigiu-se à zona do bar para fazer o pedido ao seu colega.. Enquanto aguardava que estivesse tudo pronto para levar para a mesa das quatro senhoras, encostou-se ao balcão a observá-las. Havia algo nelas que o atraía, como se de um íman se tratasse.
Aparentemente não teriam nada de especial à primeira vista, mas delas se emanava uma aura luminosa, uma sensação de paz e de tranquilidade que não conseguia explicar.
Estavam todas na casa dos sessenta anos, mas a idade não lhes levara a beleza. Só então reparou que todas se vestiam de branco e deu consigo a perguntar-se porquê.
O colega estendeu-lhe a bandeja com o pedido, mas teve que o chamar para que ele o notasse, pois estava completamente absorvido por aquelas quatro mulheres.
Dirigiu-se então para a mesa, onde colocou a garrafa de vinho ao centro e distribuiu os copos vazios pelas senhoras. O quinto copo, colocou-o junto à garrafa, antes de servir o vinho nos copos.
As senhoras agradeceram e ele retirou-se. Como havia pouco movimento, não se afastou muito. Tinha curiosidade em saber porque tinham elas pedido um copo a mais.
Ficou boquiaberto quando todas sem excepção retiraram das suas malas quatro pequenas dentaduras e mais duas de dentro de uma pequena caixa de cetim e as enfiaram no copo grande a mais que tinham pedido. Em seguida, uma delas agarrou na garrafa e despejou o vinho dentro do copo das dentaduras. Todas sorriram comum rasgo de saudade no olhar. 
Em seguida, ergueram os copos num brinde, onde falaram a uma só voz:
- Até à bengala!
E desataram a rir à gargalhada em seguida.
A curiosidade do empregado não lhes passou despercebida. Estavam acostumadas a dar nas vistas sempre que estavam juntas.
- Quer saber porque temos este ritual meu rapaz? - perguntou uma delas.
- Confesso que estou curioso, sim. - respondeu ele.
- Sente-se. É uma longa história, que começa com seis jovens raparigas que se conheceram no primeiro dia de aulas da faculdade e que conseguiram manter uma amizade fantástica ao longo das suas vidas. Fizeram um pacto entre elas em como seriam amigas até à bengala e que, mesmo depois de velhas, quando já não pudessem beber álcool por causa do excesso de medicamentos da idade, ainda assim mergulhariam as suas dentaduras em vinho verde. Duas delas já não estão entre nós. Fomos levar uma amiga até à sua ultima morada terrena hoje de manhã, mas Deus tem sido generoso connosco meu querido. Deu-nos uma saúde de ferro, não tomamos medicamentos, não usamos bengala e não nos falta nem um dente. E isso tem-nos servido de desculpa para continuarmos a celebrar as nossas vidas todos os dias. Por isso fazemos este ritual quando estamos juntas. É uma maneira de nos lembrarmos como temos sido felizes e de matarmos as saudades de quem já partiu da Terra, mas continua sempre viva nos nossos corações.
O empregado foi percorrido por um misto de emoção e curiosidade. Ao mesmo tempo que via alguma tristeza e dor nos seus olhares, também percebeu que por detrás disso deviam estar histórias de vida absolutamente fabulosas e resolveu seguir o conselho da velha senhora. Olhou em volta, como que pedindo permissão a um chefe que não se encontrava por ali, puxou uma cadeira e preparou-se para as ouvir. E esta seria a história mais fabulosa que ouviria ao longo de toda a sua vida...

(continua)




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