domingo, 23 de setembro de 2012

Se D. Afonso Henriques saísse da tumba...


Sou a contribuinte nº210388994. Uma cidadã anónima, sem nome sonante ou rosto marcante. Sou apenas mais uma no rebanho que vive o seu dia-a-dia na correria que é a vida numa cidade.
Mas não sou igual a todos os outros. Eu sou eu. Eu sinto, eu amo, eu vivo. Ou melhor, sobrevivo o melhor que posso ou que consigo.
Tenho uma família, como tantos outros milhares de portugueses. E tal como esses outros tantos que nos rodeiam, faço parte de uma sociedade.
Hoje uma vez mais olhei para a terra que me rodeia e os olhos quase se inundaram de gratidão, pelo simples facto de a minha miopia ainda assim ma permitir ver e apreciar a sua beleza.
Percebi que se D. Afonso Henriques pudesse caminhar entre nós neste exacto momento, daria umas boas espadeiradas a muito boa gente.
Porque o sonho que ele teve de tornar um Condado num Reino, naquilo que se define hoje como país, perdeu-se da sua essência original. Aquilo que se pretendia era um território vasto, povoado, unido sob a mesma bandeira, onde se partilhassem ideais. Naquele tempo, apesar da ambição da conquista, o que se amava era o chão e as riquezas que este lhes proporcionava. Era a terra que lhes dava tudo, desde o prestígio ao alimento, desde o abrigo ao sustento.
Hoje em dia tudo mudou. O país é o mesmo, mas a sua essência já não. Os que hoje o governam, tiram-lhe a Alma, num desassossegado jogo de cadeiras, onde se enchem as panças e as bolsas sem qualquer pudor. Pisa-se a terra, mas em vez de dela brotarem flores, racha-se o chão e sangram os rios. Calam-se as aves e fogem os animais para paragens longínquas, porque à sua volta aquilo que era o nosso país está moribundo!
Quando o exemplo que devia vir de cima não chega, eis que começa a fervilhar o terror nas cabeças do povo. Daquele povo que, como eu nada sabe e nada compreende sobre jogos políticos e financeiros, sobre esquemas e ardis montados, por detrás das mentiras contadas com máscaras inexpressivas no rosto.
E depois do terror vem a indignação, quando se vê que esta terra que tudo tem para nos dar, na verdade tem os seus recursos mal aproveitados e mal geridos, por algumas pessoas a quem se chama «Doutor» sem que de nenhum deles venha remédio ou cura para o mal do país.
Somos todos portugueses. Filhos de uma nação valente e imortal. Então, porque não levantam os nossos governantes o esplendor de Portugal?
Nós, os do povo, que exibimos os nossos canudos obtidos com lágrimas e suor enquanto brandimos as mãos aos céus, perguntamos o porquê de tudo isto? O que fizemos nós senão estudar e trabalhar, esforçando-nos ao máximo para ter uma vida, o que fizémos senão pagar impostos sem garantias ou regalias, e agora eis que chega esta classe de letrados incultos em relação ao verdadeiro valor da vida, acenando com contas para pagar, de cujas dívidas não me lembro de ter contraído?
Basta! Basta de não se dar o devido valor à vida! De se desvalorizar as pessoas e desmoralizar a nação! Basta de sofrermos tanta falta de respeito!
Eu sou eu. Um indivíduo. Mas faço parte de um todo. De uma sociedade, que se funcionar como uma máquina bem oleada, fará com que cada um desempenhe a sua função e contribua para que o país se mantenha e se sustente, sem quaisquer esquemas ou subterfúgios, sem que os que menos têm sejam estrangulados e privados de uma vida digna e confortável para que os que mais têm continuem a enfiar mais dinheiro nos bolsos.
E como o exemplo costuma vir de cima, é por isso que, quando alguns patrões vêm o abuso que o próprio poder político exerce impunemente sobre a sociedade, lhes seguem os passos de imediato. E assim a nossa sociedade, em vez de ser como a tal máquina bem oleada, torna-se uma bola de neve, que acumula porcaria ao mesmo tempo que varre tudo à sua frente por onde passa.
Amo o chão que piso com todas as minhas forças. Continuo a maravilhar-me com as cores, os cheiros, os sons. Continuo a ser embalada pelo som da maresia e pelos contos acerca de tempos idos, quando Portugal era um país, vasto e glorioso. Não me quero ir embora. Não quero ter que me ir embora!
Quero ter condições de cá viver, de continuar a sonhar todos os dias sem pensar em impostos e taxas! Quero ensinar as minhas filhas a fazerem parte da terra e a amarem-na tanto como eu. Quero que elas possam crescer a falar a sua lingua e a sonhar em português.
É hora de olharem para cima, senhores. Tirem os olhos dos vossos umbigos! Se lá em cima ainda assim não encontrarem inspiração, então voltem-se para dentro e perguntem à vossa consciência, se têm condições para continuarem a trabalhar como até agora. E se mesmo assim a vossa consciência nos vos der resposta, espero que ao menos olhem por cima do ombro. Não vá D. Afonso Henriques ter saído da tumba para vir de espada em riste a correr atrás de vós, expulsando-os do território que conquistou a troco de sangue e suor, forçando-os a emigrar.

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